Sei que estão outra vez à pancada porque ouço os sons abafados lá no quarto. Não os interrompo. Não se trata de violência pura mas de brincadeira entre rapazes, coisa de ir libertando algumas hormonas. Ainda me lembro bem dessa incontrolável necessidade de esvaziar a adrenalina depois de um dia inteiro fechado em casa, por isso não os suspendo, pelo menos por enquanto. E eles sabem que eu não intercedo. Temos implícita a regra de que só o farei se um deles chamar por mim. O Diogo tem menos 3 anos que o irmão e por isso é justo que lhe dê a primazia de acabar com aquilo se assim precisar. Ele sabe da regra – ambos sabem que basta um “oh paiiii” – mas quase nunca o faz.
Há mais uma norma porém: não podem destruir a casa. E de facto, neste momento, pelos estrondos que ressoam na parede, receio que parte dela já esteja a vir abaixo. Levanto-me e entro de rompante pelo quarto adentro e claro, dou com o Francisco por cima do Diogo, agora levantando-se como uma mola. O Diogo não, que quase inerte, vai-se recompondo devagarinho, ajudado pelo irmão. Eu fico ali quieto, fitando-os. Ninguém fala. O Francisco suspende-se atrapalhado e caem lágrimas pela cara do Diogo. Mas o Diogo não chora. Se chorasse, de imediato eu teria acorrido para pôr termo àquilo. Conheço essa teimosia orgulhosa de não ceder na luta mesmo quando o irmão mais velho já começa a infligir a dor. Nessa forma de, não me chamando, mesmo que chore, nunca se dar por vencido na bulha. Eu também raramente aceitaria a humilhação de chamar pelo meu pai.
O Diogo seca agora as lágrimas com a palma da mão, mas não chora. Continua calado. Ainda não chamou pelo fim da bulha. Fico por instantes a olhá-los fixamente para que assim os aquiete, mas sem proferir qualquer palavra. Aceno reprovadoramente para o cenário revirado do quarto e preparo-me para sair. O Diogo não me chamou e por mais que me apeteça não devo intervir. Olho para as suas lágrimas silenciosas e percebo que a mim não me compete impedi-lo disso mesmo. Viro as costas e saio – importa sobretudo que eu o desinvada. Também eu fui segundo e sei quanto ele precisa desse orgulho para ir ganhando algumas batalhas ao irmão.
21 de Abril, 2009 at 12:18 am
É extraordinário o que aprendi aqui contigo.
É cenário que vislumbro várias vezes aqui em casa.
Também é em silêncio que saio quando mais nada há a dizer.
Bom de ver é quando o mais velho seca a lágrimas ao mais novo quando viro costas aquele cenário de guerra civil mas de enorme crescimento.
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22 de Abril, 2009 at 4:05 am
Os meus pegam-se muito mas quase nunca se batem (também são rapaz e rapariga). Quando acontece, ele, o mais novo, ganha aos pontos (é bruto!!)
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23 de Abril, 2009 at 3:53 pm
gosto de ti como pai : )
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24 de Abril, 2009 at 6:05 pm
Madalena, sempre às ordens
Noite, com raparigas à mistura não dá luta
Alexandra, permite-me que lhes diga isso, pode ser que me considerem mais como pai
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27 de Abril, 2009 at 11:55 am
Gosto de ti como amigo mas admiro-te como escrevente. Também eu fui do meio, também eu fui segundo. Tens, como já o demonstraste noutros lugares colectivos um dom quando visitas o passado. Comoves, um tipo até fica um pouco a…bichan…
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27 de Abril, 2009 at 2:25 pm
pronto, lá estás tu!
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