dos sinais de inteligência

 

«Recentemente, entre a poeira de algumas campanhas políticas, tomou de novo relevo aquele grosseiro hábito de polemista que consiste em levar a mal a uma criatura que ela mude de partido, uma ou mais vezes, ou que se contradiga, frequentemente. A gente inferior que usa opiniões continua a empregar esse argumento como se ele fosse depreciativo. Talvez não seja tarde para estabelecer, sobre tão delicado assunto do trato intelectual, a verdadeira atitude científica. Se há facto estranho e inexplicável é que uma criatura de inteligência e sensibilidade se mantenha sempre sentada sobre a mesma opinião, sempre coerente consigo própria. A contínua transformação de tudo dá-se também no nosso corpo, e dá-se no nosso cérebro consequentemente. Como então, senão por doença, cair e reincidir na anormalidade de querer pensar hoje a mesma coisa que se pensou ontem, quando não só o cérebro de hoje já não é o de ontem, mas nem sequer o dia de hoje é o de ontem? Ser coerente é uma doença, um atavismo, talvez; data de antepassados animais em cujo estádio de evolução tal desgraça seria natural.»

 

F. Pessoa – numa “crónica do tempo que passa”, de 1915


2 responses to “dos sinais de inteligência

  • ana brasao

    …Que pena que nem todos tenham o desejo de evoluir como PESSOA. Não é terefa fácil nem nos deixa dormir. Pressupõe uma consciência bem formada e aí reside a dificuldade dos encontros ente pessoas de diferentes níveis (de consciência).

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  • e é igualmente curioso como uma observação que nasce do quotidiano político há quase 100 anos tem ainda tanta propriedade!

    (aparentemente, pela lógica referida, temos evoluído muito pouco)

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