Monthly Archives: Maio 2017

Há inevitavelmente uma altura em que, de súbito, aquilo que fomos e julgamos poder continuar a ser, deixa de fazer sentido. O que se sucede a seguir tem duas estradas possíveis. Deixar acontecer o que afinal não mais acontecerá, ou virar numa encruzilhada qualquer e ficar a pairar sobre um vale de incertezas. A primeira, a da acomodação, leva-nos ao mundo da dormência, onde não mais seremos surpreendidos, onde viveremos entre o não muito nem pouco e sobretudo onde nos tornaremos incapazes de nos entregar à saudável ilusão da esperança. A segunda obriga-nos a esquecer tudo o que fomos, a ficarmos subitamente estrangeiros na nossa vida, o que, convenhamos, obriga a uma tenacidade que já não é para todas as idades. É sempre muito difícil aceitar a mudança, sobretudo porque a mudança, ao contrário da que inventamos, nunca surge de nós, mas sim do que vem de fora, e de imprevisto. Mesmo com o farnel feito e enquanto julgamos que essa mudança foi algo que preparámos e estimulámos, ou que pelo menos suspeitámos, ela entra-nos estridente pela vida adentro sem pré-aviso. Porque ninguém, absolutamente ninguém, gosta e está preparado para mudar.

No momento em que a enfrentamos consideramos que a mudança é algo de bom, um processo controlado que nos estimula a ousadia e a vitalidade e nos alarga trajectórias de vida. E pensamos que é algo nosso, que nos vem de dentro. Mas a verdadeira mudança não é a que preparamos mas sim a que permitimos. E isso, na maior parte dos casos, é apenas um exercício de humildade que muito provavelmente tem a ver com a necessidade de libertar os outros de nós. A mudança deve ser quase sempre isso, o momento em que precisamos saber aceitar a necessidade de liberdade dos outros, tomando-a como nossa. Como um último acto de amor.