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do que comigo caminha

Ontem fez 16 anos que fiquei orfão. Ao contrário do que os mais novos possam pensar a orfandade não é algo que se aligeire mais, quando a sentimos mais velhos. É uma ferida que se abre com o mesmo tamanho na carne para não mais se fechar, um bocado de nós que fica sem ter onde viver, um lugar onde já não podemos acorrer quando nada mais nos serve. Porventura o que poderá ainda acentuar alguma diferença nisso é quando a dimensão do homem por trás daquele que nos foi pai ainda acrescenta mais ao que nos falta. A minha orfandade é imensa, escavada e será sempre eternamente súbita, mas nunca a trocaria por outra que a atenuasse mais.

(extraído do facebook, esse mural efémero, tão impróprio para a grafitagem dos sentires eternos)


da mulher desnuda com a criança atrás

Sobre o conteúdo deste artigo no ‘Observador’,  – se calhar porque tenho uma embirração especial com a sua autora o que me torna incapaz de conter a subjectividade que daí derramaria – ainda que possa concordar com uma parte do que refere, pese embora todo o seu argumentário me pareça um artificialismo para conduzir a conclusões que nada colam com o que elabora antes,  não me vou pronunciar – enfim, afinal, ainda que brevemente, não resisti a uma pequena alfinetada.

Já o tema em si sempre me encanitou, como me irritam a maioria dos combates em prol do politicamente correcto (e escrevo ‘combates’ sem aspas, pois a atitude a que me refiro é normalmente um estado de guerrilha social que é na generalidade das situações absolutamente gratuito).  Começam por pequenos estertores mas que rapidamente formam um ruído desemesurado, onde já não se ‘escuta’, fazendo mola na condição idiota de simplesmente combater convenções, tão pouco matutando sobre o significado das mesmas e raramente levantando qualquer tipo de interrogação a partir de um plano isento. É a teoria da reengenharia total. E se isso de ‘recomeçar com uma folha em branco’, que em alguns casos empresariais pode significar um último esforço para uma desesperada sobrevivência, num contexto sócio-cultural, fazendo tábua rasa de todos e quaisquer códigos sociais, da arte da boa convivência e do respeito pelos outros, e até de alguns preceitos de ética e etiqueta, sem sequer os interpretar, é pura selvajaria.

Vem isto a propósito da amamentação em público. É evidente que, aqui chegado, já pouco precisarei de dizer mais, é assim mesmo: há uns que já se abespinharam e que estão prontinhos para me chamar retrógrado ou outra qualquer coisa menos comedida e outros que correm mais aceleradamente para clicarem ali em baixo a dizer que gostam. É este o mal destes temas, a meio do que quer que estejamos a ler já nos afogámos nos nossos próprios preconceitos, até na forma como corremos a mostrar que os não temos.

Mas voltando à questão e do que dela retive: segundo o que alude o artigo há um local privado que pede polidamente a uma mãe que esconda da vista dos outros clientes a imagem das sua mamas enquanto amamenta a sua criança, por isso constituir um desvio ao código de conduta ali aplicável. E pronto, está tudo estragado, saltarão certamente a terreiro aqueles que encarniçadamente alegam que não conseguem perceber como é que há locais onde até a forma mais cândida e natural deste mundo, essa imagem de uma mãe a amamentar o seu filho, querem esconder da vista. Eu pessoalmente também acho lamentável … que tal conduta de comportamento só se aplique em locais privados; deveria ser extensiva a todos os locais públicos.

Como não pretendo fazer moral sobre o assunto apenas declaro que, da minha parte até se poderiam aplicar os velhos costumes cretenses. Não tenho nada contra a visão de mulheres desnudas e só não manifesto que me parece algo que pode pender (desde que não penda demasiado) para uma moda até com razoável encanto e sensualidade, porque arrisco ser acusado de lascivo. Repito, eu, pessoalmente, não me manifestaria contrário à moda dos seios livres, embora admita que isso pudesse trazer alguns momentos mais constrangedores num autocarro à pinha.

O que não percebo é porque é que uma criança, na sua necessidade de amamentação, legitima um costume que em condições normais é tido por censurável ou desajustado. E quase apostaria que os mesmos que manifestam a sua discordância sobre a atitude do hotel que solicitou à senhora que resguardasse da vista dos clientes os seus seios, serão os mesmos que agitariam as suas bandeiras contra essa imagem sexista e exploradora da imagem objecto da mulher, que andaria por aí a céu aberto oscilando os seus seios para gáudio de homens perversos.

Temos portanto que o mesmo comportamento tem censuras opostas conforme a mulher tenha ou não uma criança amamentando-se nos seus mamilos, a ponto de a hipótese de pousar um lenço, resguardando esse momento tão especial entre a mãe e a criança, contendo-o assim de ser exibido a outros que nem amigos ou familiares o são, se torna uma profunda ofensa aos valores mais sagrados da maternidade e da mulher. Há tanto aqui que não consigo compreender que nem me sinto apto a explicar melhor porquê.

Mas já sei, eu é que sou o preconceituoso.

Nota de Rodapé: Sou pai de dois filhos e por isso fui espectador privilegiado, (digo bem, espectador), daquela relação quase mágica que se estabelece na maternidade. Costumo dizer em brincadeira que eu só fui pai 6 meses depois da mãe dos meus filhos, tão forte e cúmplice era essa relação que se prolongava com naturalidade da fase embrionária onde os dois se entrelaçavam da forma tão íntima que nunca encontrarei palavras para a descrever. Desses momentos guardo com magia e enternecido a amamentação, um espaço de tranquilidade e comunicação silenciosa que se (r)estabelecia entre os dois, onde eu me remetia para a minha condição de observador privilegiado. Nunca senti que em nenhum de nós os três houvesse essa absoluta necessidade de dessacralizar aquele instante e mantenho a convicção de que o recato do mesmo, se a amamentação tivesse de ter lugar em local público, não seria afectado por um cobrir da fralda ou lenço, antes pelo contrário. A menos que o quisessemos mostrar ao mundo inteiro, mas isso nada tem a ver com os costumes e a perda de liberdade de que aqui me apeteceu falar.


ela

Basta ler-me aqui e em outros locais para compreender que cada vez mais falo da morte, por este ou aquele motivo, mas provavelmente porque a morte  é um fenómeno que nos enlaça mais com o adiantar da idade e se torna cada vez mais familiar. Sempre encontrei no escrever uma forma hábil da auto-confrontação e, se assim é, espero que neste caso seja para vulgarizar essa coisa que um dia me fará simplesmente desaparecer. E claro que se dela me conseguir apartar com a velocidade e avidez recomendadas, tanto melhor, caso contrário também estará bem, desde que nada transforme a vida que ainda tenho, num local de espera. Não preciso de muito tempo, não pretendo lavrar memórias, apenas espero é não levar comigo saudades das coisas que não fiz.