Monthly Archives: Junho 2009

da morfologia da idade

Sexta fui a um concerto no Campo Pequeno. Sofrível. Rockada do meu tempo, mas pouco original. De música para música as tonalidades variavam dispersas entre extremos como os Pink Floyd, o Bowie e até o Elton John e no meio daquilo tudo, apesar do dançável da coisa, faltava som próprio. Sofrível, repito.

Mas não foi por isso que me propus tomar estas notas e sim antes pelos estranhos e preocupantes sintomas que isso acabou por revelar de mim, e eu a prever uma nova era no meu comportamento e a achar que a posso e devo assinalar aqui. Sexta fui a um concerto onde dancei, trauteei, quase ululei e de lá saí de sorriso refastelado, agradecido do convite e das companhias … e nisto sempre sem saber o nome do artista! Ainda ontem tinha o bilhete no bolso das calças mas nem a mera curiosidade de saber ao que tinha ido me fez olhar para ele, nem mesmo a simples pergunta de ocasião no final do concerto que bastava ter sido “mas afinal quem é este gajo?”. Nada.

Dirão que daí não vem grande mal ao mundo. Pois certamente que não, mas com quantos de vós isso já aconteceu? Detalhemo-nos nisto. Presumo que se um dia um dos meus netos tiver o carinho de me convidar para um concerto, o qual certamente muito apreciarei, é quase certo que nunca o interrogarei sobre o nome de quem terei ouvido. E porquê, pela simples razão que um velho deixa de sentir justificável registar e arquivar estes pormenores que só nos são úteis para a eventual repetibilidade, o que no diante da vida dele é pouco provável que venha a acontecer. É simplesmente uma questão de atitude. É por isso que o comportamento dos mais idosos é alheio dessa curiosidade de querer saber os nomes, as classificações e se inclina mais para o usufruto das situações, ainda que, por o fazer com amadurecida serenidade nos leve a presumir, erradamente, tratar-se de alheamento.

Só uma criança ou um velho sairia de um concerto onde esbracejou e cantarolou o tempo todo sem nunca perguntar por quem afinal o tinha feito. Sim, é da idade que falo. Melhor, dos vestígios que se trazem com ela   …    Ok, levantemos simpáticas e alternativas interrogações: poderá também ter sido (caso não seja a mesma coisa), dos resquícios de moço que ela ainda traz em si, em mim.

Nota: Russ Ballard!, Russ é o rocker! Agora mesmo tive de vir aqui para o poder afirmar.


das razões interrompidas

ela… Depois ela veio com aquele deslizar de olhos brilhantes dizendo que eu tinha razão e isso amarrou-me e interrompeu-me de todas as reacções que eu ainda pudesse preparar. Olhei-a com admiração, não porque isso me fizesse acatar a rendição arbitrária – se bem que isso do lado da razão só a mim importasse – mas, porque mais do que o que pudesse ter dito, nesse gesto com que se rendeu, assim, docemente, foi capaz de estacar a torrente de arrazoados que de mim turbilhonava e de, surpreendendo-me, deixar-me sem mais passos a dar que não fosse olhá-la, enternecido, envergonhado, desarmado, que pois assim, num ápice,  me algemou. Dificilmente há na nossa relação algo de mais importante que aquele seu jeito de me fazer ver, quase sem palavras, o supérfluo que há em tanto daquilo que a minha ira atira para cima das conversas e com aquele chegar tão feminino, no silencioso sussurrado que os homens nunca hão-de aprender, a baixar-me os braços, ainda tensos, a aquietar-me as argumentações e com um beijo a estancá-las, a calar-me, a aclarar-me. E fazendo-o tão simplesmente que apesar daquilo tudo que era a minha inatacável razão e apesar da minha resfolegada vontade de explicar, argumentar, contrapor e autopsiar tudo o que nos tinha rodeado, no fundo, a única coisa que se fazia agora contar era ela, ali, comigo e eu, calando-me, saber reconhecer que era apenas isso que afinal importava. E foi por ela, por um beijo, que voltei a mim.

A minha vida tem sido isto, feita de soluços, em metade deles vituperando, na outra metade grato por me saber amansado.


questões de relevância

Desse tal de Michael Jackson de que meio mundo lamenta a morte sei de uma ou duas músicas geniais, escritas há décadas, que serão sempre uma referência da minha música contemporânea. Do indivíduo propriamente dito, das suas idiossincrasias e depravações, acho-o um verme, igual a esses de que passou a vida histericamente a fugir.

 

Farrah FawcettJá desta senhora, cuja partida lamentarei sentidamente, apenas tenho a dizer que foi um dos meus primeiros ícones sexuais!

Ouvi da sua vida trágica e tapei os olhos perante a degradação com que a doença se semeou na sua beleza, pois nada disso me ajudará a preservar esse local que ela ocupou no meu turbulento imaginário juvenil.

 

 

 

 

 

 

 

Mas também não são essas minhas idolatrias que aqui quero exaltar. É sobretudo ela, antiga já, e a sua morte, sobretudo por isso sujeitar-me a ter de reconhecer que também a minha sexualidade (eis algo que releva no meio de tudo isto), também ela, afinal, envelhece.


afinal, qual a ilusão que há em nós

(autor desconhecido)

 

A do mundo almiscarado que só existe do lado de fora,

ou a folha em branco onde desenhamos o que dele queremos achar? 

 


Oops

Nasceram apenas com 2 dias de diferença no calendário embora o Diogo tenha nascido três anos depois, justamente a 15 de Janeiro de 1996. Nesse dia e nos dois dias seguintes ficámos só nós, eu e o Francisco, vivendo a nossa vida algo ansiosa e desajeitada, absolutamente estranhos àquele impenetrável processo em que a mãe e o novo irmão se conheciam, agora por fora. E assim, sentindo-me desfuncional, e pretendendo-me mais útil, dediquei-me a preparar a entrada do intrometido bebé no que até à data tinha sido a epicêntrica e mimada vida do Francisco.

Fi-lo com a possível cautela e dedicação e de forma aparentemente bem sucedida, o que teve o seu auge com um homem-aranha escolhido pelo Francisco, ainda que fosse uma estatueta de plástico com mais um palmo de comprimento que o irmão – mas quem escolhe para os outros aquilo que queria para si nada tem para ser criticado.  Claro que a situação se tornou um pouco mais emaranhada com o regresso a casa dos dois membros da família, o que por coincidência aconteceu justamente na véspera do aniversário do Francisco. Dedicado à causa, atento, logo me voluntariei para organizar a sua festa de anos, no que nos fomos entretendo os dois nos preparativos, ele fazendo desenhos nos convites, eu numa parte da labuta a que confesso não estava muito habituado.

Correu quase tudo bem. Conseguimos juntar uma bela alcateia de crianças e divertiram-se pela tarde fora e pela casa inteira. Os adultos, em particular as restantes progenitoras que acompanhavam os convivas, é que se portaram menos bem. Maravilhadas que estavam com o novo “tão igual ao pai” membro da família, de nada me valeu tentar desviar-lhes as atenções do ratinho que ali se mostrava ao mundo, elas também de mim completamente alheias e do facto do aniversariante nesse dia ser outro. Aparte isso, tudo correu bem e farto de alegria e smarties, como aliás se previa.

Julgava eu. Cessa-se a festa e os convivas vão partindo, um por um, até sobrarmos só nós, já não três, mas os quatro. Ao Francisco sobrava-lhe ainda a excitação, à mãe o cansaço e o mais novo, fazendo o que lhe convinha, dormitava. Ficávamos agora por ali a aliviar a fadiga, anichando-nos em redor do novo membro. O Francisco, debruçando-se com curiosidade sobre o irmão, chama-me então para mais perto:

Paiii

– Sim Francisco, o que foi? … Olha, gostaste da festa?

Gostei … – diz ele.

E logo de seguida, sem se interromper, arremessa a estrondosa e fatal interrogação:

– … Mas pai, quando é que os pais deste menino o vêm buscar?