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Entardecer

Caminho agora mais devagar, porque já me cansei de tanto correr. Sorrio mais, porque já não encontro sentido no que me fazia rir desbragadamente. Vou cada vez mais ignorando o que antes me levava ao descontrolo. Os meus olhos emudecem-se mais vezes, mas já não só pelas coisas tristes. Noutros tempos em que a vida e o corpo me levavam sôfrega e desenfreadamente, pensava que envelhecer seria trazer mais cansaço, um faltar de energia que nos ia fazendo mais mansos. Não é. É apenas ela a fazer o tempo mais devagar, a trazê-lo para o nosso passo, agora mais curto e demorado.

Estraguei imensas coisas, atropelei muita gente, magoei-me tantas vezes por coisa nenhuma, sempre nesse correr de chegar mais depressa e mais longe a um lugar qualquer. Agora a vida traz-me menos velocidade, e sem essa vertigem há uma serenidade lenta que acontece. Esse banco onde mais vezes me vou sentando, como quem pausa à beira da estrada, e onde por vezes já consigo ver as cores e os detalhes das coisas que passam por mim e até o sentido das coisas que os outros me querem dizer quando se calam – quem diz que se ouve pior quando aqui chegados, fala simplesmente da acústica, não do escutar. E já consigo olhar para eles quando olham para mim. Mas olhar mesmo. Às vezes admirá-los. Dantes quase só tinha tempo para me admirar a mim.

Envelhecer não é ser mais trôpego e lento. É apenas ir ficando sentado mais vezes e mais demoradamente nesse lugar que a vida agora nos oferece para podermos fazer as pazes connosco e fruir do que outrora não tivemos tempo. Um dia dirão que a minha cabeça já não é o que era e, de lá do fundo dessa pressa, amigos, alertarão até para cuidados médicos. Incitarei então a que releiam tudo de novo. Talvez venham a perceber que não somos nós a desligar. Que estamos simplesmente a deixar-nos ficar mais tempo sentados nessa pedra à beira da estrada. E não há pressa nisso. É só isso. Deixarmo-nos ficar, poder ir indo.