Monthly Archives: Abril 2014

o muro não caiu, o muro não cairá

Em tempos deixei registo de um episódio de infância num blogue colectivo que partilhava esse tipo de nostalgias amealhadas nos Olivais. Logo saltaram a terreiro amigos mais incrédulos, querendo desmantelar-me as memórias que ali averbei: que tão pouco o muro, o adamastor dessas recordações, que nem tal edificação alguma vez existira.

Pois aqui deixo prova video – ao minuto 11:29, no prédio em primeiro plano, do seu lado direito, luminosamente branco e enorme, como enorme foi a minha façanha, eis o dito muro – essa empena existia, existe e existirá sempre, mesmo para além da história a que quiseram estorvar a verdade.

Que vos sirva de lição, que nunca mais atentem contra as recordações de uma criança sobrevividas à exaustão do tempo. Posso perder o tino do que fiz ontem ou não lembrar do que amanhã me compromete, mas no meu vasilhame da infância ninguém toca.


Jorge de Sena e de um encontro que fica marcado logo ao virar do primeiro parágrafo

Nota para tempos vindouros, onde a minha cada vez mais persistente amnésia (também) literária me agravará a escolha da leitura, esse saboroso mergulhar no mundo inventado dos outros que me é já tão raro e que, como tal, menos poderá consentir segundas oportunidades.

Desconheço como foi possível cruzar-me com o Jorge de Sena sem que pelo menos tenha guardado na memória este arrebatamento que agora sinto. Desconheço (ou deslembro-me) da maior parte da sua obra e sei que me atravesso (assim me dizem) numa das suas maiores realizações, mas sei também que há um rasto deixado na obra dos escritores de eleição que torna indelével e inexpugnável a qualidade da sua escrita. Não há acasos no que é sublime e por isso sei que não cometo o erro de um juízo arriscado.

Qualquer trecho, e poderia escolher qualquer um ao acaso, é tão completamente decantado dos fáceis ornamentos, tão cuidadosamente esculpido com palavras que, depois de lido, entranha-nos a sensação de nunca na literatura poder haver outra forma de escrever o que ali nos é trazido e induzido. Não tenho arte nem mérito para as pomposas elucubrações literárias, apenas sei o que sinto quando tenho a sorte de cruzar o génio literário, e por isso não me atrevo sequer a deitar à sorte um parágrafo, de uma qualquer página, dos Sinais de Fogo, acometendo-me ao pecado de o extrair da ‘terra’ onde o autor o semeou, mas recomendo a quem não conheça esta obra que o faça.

E desmascaro-me. Para que quereria eu registar algo que me é tão marcante se não para aos outros o fazer saber? Terei as minhas razões, é certo. Há momentos sublimes na literatura em que lamento não poder, nesse mesmo instante em que desfruto do que me contam, partilhá-lo com mais alguém. Mas porque não, num homem, se suficientemente vaidoso, ser-lhe permitido achar que, trazendo outros, encaminhando-os pelos caminhos da escrita que já cruzou e nisso sabendo que neles se derramam os mesmos sentimentos, que assim, de alguma forma, se encontrarão os dois? Como dois companheiros que se deitam debaixo da copa da mesma árvore, ainda que em modo diferido, com largos anos de distância, mas degustando da mesma ilusão. Se assim é, que importa a distância ou o tempo, se assim é, tudo é, e eu cá estarei.

Mas onde ia eu? Ah, Jorge de Sena. Haverá sempre espaço na minha estante dos predilectos para mais um. E este vai mesmo para aqui, entre o Eça e o Alexandre Herculano. Para quando um dia te apetecer … Diogo.


aos 50 já se sente na pele o desperdício do que não quisemos ser

Por isso, aos 50,  a tudo nos devemos o direito de nos permitir. Assim diz Saramago nas Suas Palavras:

Não mudaremos a vida se não mudamos de vida.

                                              Há que perder a paciência.”