Toda a manhã me tenho lembrado de um líndissimo conto do Asimov que li na juventude e que nunca mais esqueci. Séc. XXII (supunhamos), algures no universo, um devoto e emérito padre-cientista acaba de fazer a maior descoberta que estas suas duas vocações, quase antagónicas, conseguem partilhar com igual intensidade e significado. Acabara de descobrir, depois de elaborados estudos astrológicos e uma vida inteira de dedicação que, a estrela polar, aquela que assinalara o divino milagre e guiara os reis magos, afinal, fora apenas a explosão de uma supernova, em todo o seu esplendor, algures na galáxia XPTO.
É pungente o conto, na forma como está narrado, mas sobretudo na bestialidade com que uma das metades do homem, rejubilando pela descoberta de toda uma vida, acaba por assassinar a devoção e a ilusão que sustinham a sua outra meia natureza. Ser assim, dois hemisférios, duas convicções, dois olhares num só homem e saber que a glória, a realização de uma metade de nós implicará a sepultação de tudo o que a nossa outra parte acreditou, é algo de profundamente comovente.
Vem isto a propósito de uma cavilha. Sim, uma cavilha. Antevejo o espanto e justifico-o facilmente. Estive quatro horas enfiado em 60m2 escrupulosamente calafetados, apenas eu, a porcaria daquele produto, as madeiras, as trinchas e os rolos, e uma máscara que já teve melhores dias. É-me permitido elaborar sobre tudo. A alucinação tem destas coisas, abre-nos os horizontes da imaginação e fermenta-os com o incredível . Mas sobre a cavilha lá direi depois das minhas razões – se ainda a voltar a ter – agora tenho de voltar a subir para o ringue tóxico, pois a pedrada com que estou já começa a perder efeito.