Monthly Archives: Junho 2012

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é o espaço que habitamos

por entre o dia

e a noite

sem que nada nos ocorra de melhor


Quilómetro 72

A escrita é – creio que o posso afirmar generalizando a todos aqueles que, como eu, o fazem sem qualquer tipo de intuito – um impulso, um gesto de catarse às vezes, outras, apenas um local onde queremos organizar o que já fomos, um lugar para na posteridade a(nos) podermos contemplar.

Nunca dei particular significado a esse exercício que não sei como, nem porquê, um dia em mim começou a acontecer. Sei que há alguma pose nisso de não lhe dar importância, ou melhor, uma anti-pose, o que resulta no mesmo. Sei-o mais convictamente agora quando recebo um email que me notifica que um blogue que outrora habitei vai finalmente ser extinto, o que me deveria deixar indiferente. Mas não deixa.

Essa nota, que aparentemente formaliza o óbito de algo que é um acervo moribundo de uma escrita ao deus-dará, é ela que me impele afinal a visitá-lo mais uma vez. E depois outra, e mais outra vez. Surpreendentemente tenho usado alguns espaços destes últimos dias a visitar palavras que me afundam no passado de alguém que não me é de todo desconhecido, nem indiferente.

Mais de 1.000 entradas, para cima de 650.000 visitas – outros contadores gritam à minha vaidade que até mais de milhão e meio de visitantes. Textos, apenas textos, nada mais do que isso que resulta do hábito das teclas, a maior parte sem relevo, qualidade ou interesse. Mas em alguns encontro coisas curiosas, como este, remontando a 2005, que diz assim:

Escrever num blog as coisas que não dizemos aos outros

e depois ir dizer aos outros as coisas que escrevemos no blog”.

Há outros. Histórias distantes que extraí à minha memória, pequenos episódios contados em discurso directo de que já nem me lembrava, e que agora me fazem sorrir. Mas este, o que cito, é o que retenho nesta partida. Nele se afirma, mordaz, que o que por lá deixei foi afinal o que nunca fui capaz de falar. E morre a escrita do que calei, e nisso essa dimensão de mim que nunca voltarei a conhecer.

Um dia um homem disse-me que deveria escrever um livro. Fê-lo muito antes de haver internet, fê-lo muito antes do dia em que morreu. Mas o mais estranho é que o disse muito antes do dia em que me comecei a entreter com a escrita. Eu ria. Ele sorria.

Hoje interrogo-me se aquele espaço não foi uma tentativa envergonhada, não assumida, de me exercitar, de me testar, para aquele tão estranho desafio que me deixou. Esse espaço que tanto insisto em desvalorizar, talvez por isso mesmo, porque nunca fui capaz de nele assumir uma escrita, a escrita que ele um dia me pediu que viesse a ser um livro.

Depois dele já outros o têm referido, até insistido, e eu a retorquir sempre do mesmo jeito, insistindo que não sou escritor, que não sei escrever, mas apenas um homem que na escrita apenas lança o que cala – puro exercício de terapia. E resisto. Eu mais do que ninguém sei que não tenho o estímulo nem o dote para mais do que isto: deixar em silêncio o que sempre foi silêncio.

Embora isso não seja absolutamente verdade. Esse livro que nunca escreverei já tem título. Há muitos anos.


do aferro lusitano