Aqui não há gente. Aqui as pessoas traduzem-se em números, visitas e audiências.
Aqui não há realidade. Aqui as palavras desenham-se em outdoors com significados sofríveis e cuidadosamente arredondados.
Aqui não existo. Aqui sou mero escriba do que eu julgo que sou.
Nada aqui é fiel ao sentido que tem. É um logro da realidade praticado num gaveto que arrendei na internet e encenado no conluio entre a vontade de escrever, o interesse de o ler e a compulsiva voracidade das palavras.
Escrevo na expectativa que convencerei alguém, para que alguém me convença que sou eu assim. Escrevo interrogações que afirmo para obter respostas que já conheço. E sigo palavreando por aqui, neste embuste de arquitectura ortográfica, de pormenores fantasiosos, de peças com que metodicamente constituo uma identidade e realidade que ignoro mas evoco ser a minha.
Poderia agora negar tudo, bastaria enumerar e trazer prova de todos os episódios que aqui se acumulam. Mas para isso teria de me consentir para além das palavras e isto deixaria de ser um logro. E nem tenho a certeza que o quisesse fazer.
Porque, convenhamos, pensar que nos podemos redesenhar, alisando pecados e enfatizando virtudes, tirando uma ruga aqui ou atenuando ali um recanto de mau temperamento, isso, isto, é um logro delicioso.
(*) em modo reload sobre um escrito de 2006